Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 4 Vol.4  Nº 2 - Abr/Jun 2006

<<  Arquivo PDF  >>


Taxas de Complicações e Tempo de Permanência Hospitalar Foram Maiores em Pacientes Idosos Submetidos a Videolaparocolecistectomia.
Resultados após Colecistectomia Videolaparoscópica em Pacientes Idosos

Complication Rate and Hospital Stay after Laparoscopic Cholecistectomy in Elderly Patients

Paulo Cezar Galvão do Amaral, Euler de Medeiros Ázaro Filho, Marcos Fraga Fortes, Eric Ettinger Jr, Heron Crusoé Cangussu, Edvaldo Fahel


Serviço de Cirurgia Geral I - Hospital São Rafael e Departamento de Cirurgia - Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, Bahia, Brasil



OBJETIVO: Comparar os resultados da colecistectomia videolaparoscópica em pacientes idosos (idade maior ou igual a 65 anos) e não idosos focalizando quadro clínico, avaliação laboratorial, risco anestésico, intercorrências intraoperatórias, taxa de conversão, complicações pós operatórias (cirúrgicas e não cirúrgicas) e permanência hospitalar. MATERIAL: Foram analisados os dados referentes a 1.864 pacientes submetidos a colecistectomia videolaparoscópica por doença calculosa biliar, operados entre os anos de 1993 e 2003. MÉTODOS: Os dados foram catalogados através de fichas padronizadas pelo Serviço, durante a internação dos pacientes e analisados estatisticamente pelo programa SPSS versão 11.0. Foi considerado estatisticamente significante valor de p <0,05. RESULTADOS: Dos 1864 pacientes 294 (15,7%) eram idosos e 1570 (84,3%) eram não idosos. As complicações pós-operatórias foram respectivamente: infecção respiratória 2% e 0,7% (p=0,02); infecção de ferida 0% e 0,3% (p=1); fístula biliar 1,3% e 0,1% (p=0,01); e permanência hospitalar após a cirurgia de 3,99 e 2,77 dias (p=0,02). DISCUSSÃO: Ocorreu uma maior taxa de complicações pós-operatórias não cirúrgicas e maior tempo de internação em pacientes idosos, que pode estar relacionada às comorbidades deste grupo. CONCLUSÃO: Pacientes idosos submetidos à colecistectomia laparoscópica apresentaram maior incidência de complicações e maior tempo de internamento pós-cirúrgico, podendo justificar o tratamento expectante na litíase biliar assintomática nos mesmos.

Palavras-chave: Colecistectomia Laparoscópica, Idosos, Complicações Pós-Operatórias, Colelitíase.

OBJECTIVE: The objective of this article was to compare the results of laparoscopic cholecystectomy in elderly patients (sixty five years or more) and non-elderly patients, focalized in many aspects as clinical present, laboratorial exams results, anestesic risk, intraoperative intercurrences, conversion rate, postoperative complications (surgical or non-surgical), and hospitalar stay. MATERIALS: It was analyzed data from 1864 patients underwent a laparoscopic cholecystectomy for cholelithiasis in our service, between the years of 1993 and 2003. The patient data was recovered through service protocols, within hospital stay and analyzed by the program SPSS version 11.0. It was considered significant statistical value of p lesser than 0,05. RESULTS: A total of 1864 patients, 294 (15,7%) were elderly and 1570 were non-elderly. Postoperative complications were respectively: pneumonia 2% and 0,7% (p=0,02); wound infection 0% and 0,3% (p=1); biliary fistula 1,3% and 0,2% (p=0,01); and hospital stay after surgery 3,99 and 2,77 days (p=0,02). DISCUSSION: It was occurred a greater postoperative complications (non-surgical) and hospital stay in elderly group, that can be related with their co-morbidity. CONCLUSION: Elderly patients underwent to laparoscopic cholecystectomy presented greater complication incidence and hospital stay than non-elderly patients, so an expectant treatment in this group, can be acceptable to asymptomatic cholelithiasis.

Key words: laparoscopic cholecystectomy, Elderly, Post-operative complications, Cholelithiasis.


Amaral PCG, Ázaro Filho EM, Fortes MF, Ettinger Jr E, Cangussu HC, Fahel E. Taxas de Complicações e Tempo de Permanência Hospitalar Foram Maiores em Pacientes Idosos Submetidos a Videolaparocolecistectomia. - Resultados após Colecistectomia Videolaparoscópica em Pacientes Idosos. Rev bras videocir 2006;4(2):48-53.

Recebido em 10/05/2006

                                                              


Aceito em 19/09/2006




A

incidência de litíase biliar aumenta progressivamente com a idade8 podendo chegar a 33% em pacientes com mais de 75 anos2. As vantagens referentes a cirurgias por acesso minimamente invasivo fazem que este seja o método padrão ouro no tratamento da colelitíase em qualquer faixa etária1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11,12.
   Pacientes jovens assintomáticos tem usualmente indicação cirúrgica pelo risco progressivo de complicações da litíase biliar de 1 a 2 % ao ano e pela baixa morbimortalidade da videolaparocolecistectomia (VLC)14. Restringem-se mais às indicações de cirurgia em pacientes idosos, pois há uma maior associação com comorbidades e provável aumento de complicações cirúrgicas1,3,4,6.
   A comparação entre pacientes jovens e idosos submetidos a VLC pode nortear as condutas terapêuticas principalmente em pacientes idosos com colelitíase assintomática.

PACIENTES E MÉTODOS

    Realizado estudo prospectivo mediante preenchimento de protocolo especifico em 1.864 pacientes submetidos a videolaparocolecistectomia por doença calculosa, entre Abril de 1993 e Abril de 2003, em nosso serviço. Estudo sem critérios de exclusão sendo as cirurgias realizadas por técnica padrão sob anestesia geral e pelos staffs do serviço.
   Os pacientes foram estratificados em dois grupos: Grupo I - pacientes com 65 anos ou mais12 e o Grupo II - pacientes com idade inferior a 65 anos.
   Foram analisados os dados quanto ao sexo, quadro clínico, avaliação laboratorial, risco anestésico (ASA)13, intercorrências intraoperatórias, taxa de conversão, complicações pós-operatórias e permanência hospitalar.
   As complicações pós-operatórias foram analisadas como não cirúrgicas (não relacionadas ao sítio operatório) e como cirúrgicas (relacionadas ao sítio operatório).
   Analise estatística realizada com software SPSS 11.0®, utilizando o teste qui-quadrado e teste exato de Fisher para as variáveis dicotômicas e teste T de student para variáveis continuas, considerando significância estatística valor de P<0,05.

RESULTADOS

    Os pacientes do grupo I (idosos) representaram 294 (15,7%) do total de pacientes. Os pacientes do grupo II (não idosos) representaram 1.570 (84,2%) do total de pacientes.
   Na análise quanto ao quadro clinico (Tabela-1) o único dado com diferença estatística relevante entre os grupos foi a presença de icterícia com 19 (7,3%) pacientes do grupo I em comparação com 48 (3,3%) pacientes do grupo II (P<0,005). Em relação aos exames laboratoriais (perfil hepático), houve diferença estatística apenas para transaminase pirúvica (TGP) - Tabela-2. Por conseqüência, houve uma maior incidência de colangiografias intraoperatórias no grupo I, totalizando 26 (10,5%), assim como foi maior a incidência de coledocolitíase, com 6 casos (2,4%). Quanto ao grupo II os valores foram 86 (6,1%) para colangiografia (p=0,002) e 5 (0,4%) para coledocolitíase (p=0,003).

 


 




   A estratificação quanto ao risco cirúrgico de acordo com o ASA13 mostrou que os pacientes do grupo I apresentavam mais comorbidades P<0,001 (Tabela-3).

 



   Não houve diferença estatística significante entre os dois grupos quanto às complicações intraoperatórias (Tabela-4), taxa de conversão (3,1% para o grupo I e 1,3% para o grupo II, P=0,053) e quanto à presença de colecistite associada (Tabela- 5).

 


 




   As culturas de bile foram realizadas em 220 (74%) dos pacientes do grupo I com positividade em 10,9% dos casos e realizadas em 1266 (80%) dos pacientes do grupo II com positividade de 4,5%. E. coli foi a bactéria mais comumente isolada nos dois grupos, seguida de Enterobacter, Klebisiela e Pseudomonas aeruginosa (Tabela-6).

 



   As complicações pós-operatórias não relacionadas ao sítio operatório foram mais significantes (Tabela-7) para o grupo I, principalmente as relacionadas com processos infecciosos. Infecção respiratória (ITR) em 6 (2%), infecção urinária (ITU) 9 (4%) e tromboembolismo pulmonar (TEP) em 6 (2%) dos casos. Em contrapartida, o grupo II apresentou 9 (0,7%) casos de ITR (P<0,03), 14 (1%) de ITU (P<0,005) e 0 (0%) de TEP (P<0,001).

 



   Quanto às complicações pós-operatórias relacionadas ao sítio operatório somente a formação de fistula biliar apresentou significância estatística (p<0,01) com incidência de 4 (1,3%) casos para o grupo I em comparação a 2 (0,1%) do grupo II (Tabela-8).

 



   A permanência hospitalar após VLC foi de 2,77 dias para pacientes do grupo II e de 3,99 dias para pacientes do grupo I (p<0,027).
   Em relação à mortalidade não houve relevância estatística, ocorrendo dois óbitos para o grupo I (0,7%) e um (0,06%) para o grupo II (P: 0,08).

DISCUSSÃO

    A distribuição etária neste estudo foi superponível a referida em literatura1,2. Apesar do quadro clinico diferir entre pacientes de faixas etárias diversas2, os achados de relevância se restringiram neste estudo à maior apresentação de icterícia em pacientes idosos (21,8%). Este dado pode basear-se em um possível maior tempo de colelitíase em pacientes idosos evoluindo para coledocolitíase (2,6% grupo I x 0,4% grupo II) e conseqüente icterícia.
   A ausência de diferença estatística entre os grupos de pacientes idosos e não idosos quanto à presença de colecistite aguda (18% grupo I e 13,3% grupo II), tornam os grupos mais pareáveis.
   Este estudo apresenta resultados sem significância estatística quanto à taxa de complicações intraoperatórias e taxa de conversão entre os dois grupos, como encontrado por TÁPANEZ e cols2. Houve 3,1% de taxa de conversão para o grupo idoso. Há relatos históricos com esta taxa variando entre 1,1 a 21% 1,2,3,5,11.
   A maior freqüência de complicações pós-operatórias em pacientes com idade maior ou igual a 65 anos (Tabelas 7 e 8), bem como o maior tempo de permanência hospitalar após a cirurgia (3,99 dias grupo I e 2,77 grupo II) pode refletir a maior associação com comorbidades, como mostrado pelo risco anestésico (Tabela-2), porém deve-se questionar uma possível relação ao maior tempo de expectação da colelitíase. Estes achados podem justificar uma atitude mais conservadora adotada por muitos serviços quanto à indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos com idade maior ou igual 65 anos.

CONCLUSÃO

    Os pacientes com idade maior ou igual a 65 anos apresentam maior taxa de complicação pós-operatória e maior tempo de permanência hospitalar pós-cirúrgica, indicando benefício em conduta expectante para colelitíase assintomática nesta faixa etária.

Referências Bibliográficas

1. Granados-Romero JJ, Jimenez KEC, Carballo GM, Kehoe RN, Goméz RL. Laparoscopic cholecystectomy in patients age 60 years or older: report of a tertiary level hospital. Cir & cir; 69(6):271-275, 2001.
2. Tápanez VR, Ferrer SM, Carttaya MJRR. Laparoscopic cholecystectomy in aged patients: a comparative. Rev cuba med mil; 28(2):108-113, 1999.
3. Miguel PR, Figueiredo FAZ, Rosa ALM, Reusch M, Santos S. Laparoscopic cholecystectomy in the elderly. Rev Col Bras Cir; 21(1):14-6, 1994.
4. Montori A, Boscaini M, Gasparrini M, Miscusi G, Masoni L, Onorato M, et al. Gallstones in elderly patients: impact of laparoscopic cholecystectomy. Can J Gastroenterol; 14(11):929-32, Dec.
5. Pessaux P, Tuech JJ, Derouet N Rouge C, Regenet N, Arnaud JP. Laparoscopic cholecystectomy in the elderly: a prospective study. Surg Endosc; 14(11):1067-9, 2000.
6. Firilas A, Duke BE, Max MH. Laparoscopic cholecystectomy in the elderly. Surg Endosc; 10(1):33-5 discussion 36, Jan.
7. Fisichella PM, Di Stefano A, Di Carlo I, La Greca G, Russelo D, Latteri F. Efficacy and safety of elective laparoscopic cholecystectomy in elderly: a case-controlled comparison with the open approach. Ann Ital Chir; 73(2):149-53; discussion 153-4, 2002.
8. Fahel E. Colelitíase. In: Fahel E, Amaral P, Ázaro E, ed. Manual de Atualização em Cirurgia Geral: Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p.3-16.
9. Behrman SW, Melvin WS, Babb ME. Laparoscopic Cholecystectomy in the geriatric popúlation. Am Surg; 62(5):386-390, 1996.
10. Massie MT, Massie LB, Marrangoni AG. Advantages of laparoscopic cholecystectomy in the elderly and in patients with high ASA classifications. J Laparoendosc Surg; 3(5):467-476, 1993.
11. Bingener J, Richards ML, Schwesinger WH, Strodel WE, Sirinek KR. Laparoscopic cholecystectomy for elderly patients: gold standard for golden years?. Arch Surg; 138(5):531-5, 2003.
12. WHO - Information Needs for Research, Policy and Action on Ageing and Older Persons: Definition of an older or elderly person, 2002. Disponível em: http://www.who.int/whr/1997/media_centre/executive_summary3/en/ [consultado em 12/12/04].
13. Saklad M. Grading of patients for surgical procedures. Anesthesiology; 2(3):281-284. 1941.
14. Amaral P.C.G. Colecistite aguda: Análise multiveriada dos aspectos clínicos, diagnósticos, cirúrgicos e anátomo-patológicos em pacientes submetidos a videolaparocolecistectomia. [Tese de doutorado em cirurgia]. Porto Alegre: Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre; 2000.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Paulo Cezar Galvão do Amaral
Endereço: Serviço de Cirurgia Geral I, 4º andar, Hospital São Rafael
Av. São Rafael 2156, São Marcos, Salvador, Bahia. CEP: 41253-900.
Email: pcgamaral@terra.com.br