Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 3 - Jul/Set 2004

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Esplenectomia Laparoscópica em Crianças

Pediatric Laparoscopic Splenectomy

Maurício Macedo1, Karine Furtado Meyer2 Raquel Pelaes Pinheiro3 Alexandre Cintra da Silva4


Serviço de Cirurgia Pediátrica - Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas. São Paulo, SP - Brasil



OBJETIVO: Os autores analisam os resultados da experiência com a esplenectomia por técnica laparoscópica (TL), comparando-os com os obtidos através da técnica aberta (TA), visando identificar indicações, eficácia e seguridade em crianças com doenças hematológicas. MÉTODOS: Avaliação dos dados obtidos de prontuários de pacientes submetidos a esplenectomia na última década. As variáveis selecionadas foram: idade, sexo, indicação da esplenectomia, técnica cirúrgica utilizada, tempo de hospitalização, tempo cirúrgico e complicações. RESULTADOS: Foram analisados 31 pacientes (17 sexo masculino, 14 sexo feminino), com idade média de 8 anos. A esplenectomia foi realizada pelas seguintes indicações: esferocitose (11), anemia falciforme (8), púrpura trombocitopênica idiopática (6), beta talassemia (2), abscesso esplênico (1), leucemia mielomonocítica (1), linfoma (1) e anemia hemolítica auto-imune (1). Foram realizadas 19 esplenectomias abertas e 12 laparoscópicas. Colecistectomia foi realizada em 2 pacientes de cada grupo. Baços acessórios foram removidos em 8 pacientes submetidos a esplenectomia aberta e em 1 paciente submetido à laparoscópica. Foi necessária a conversão para cirurgia aberta em um caso, por sangramento intra-operatório. O tempo cirúrgico em esplenectomia aberta foi em média 2h30min e em laparoscópica foi em média 3h20min. O tempo de internação em esplenectomia aberta foi em média 4 dias e em laparoscópicas foi em média 3 dias. CONCLUSÃO: Este relato, como outros estudos na literatura, mostra que a esplenectomia laparoscópica é uma alternativa segura e eficaz à cirurgia aberta.

Palavras-chave: ESTUDO COMPARATIVO; LAPAROSCOPIA /métodos; ESPLENECTOMIA /efeitos adversos /métodos; COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS; CRIANÇA.

OBJECTIVE: The authors have reviewed their initial experience with laparoscopic splenectomy (LS) to identify the indications, success rate, and complications associated with this procedure compared with a series of children undergoing open splenectomy (OS). METHODS: The records of 31 children who underwent splenectomy from 1993 through 2003 were reviewed retrospectively. RESULTS: Thirty-one patients aged 2 to 17 (mean 8 years) underwent splenectomy for the following indications: hereditary spherocytosis (11), sickle cell disease (8), ITP (6), thalassemia (2), and other indications (4). Concomitant cholecystectomy was performed in 2 of 12 LS and 2 of 19 OS. Acessory spleens were identified in 8 of OS and 1 of LS. One LS required conversion to an open procedure because bleeding. The LS patients had a shorter length of hospital stay, and a longer operative time. CONCLUSION: Laparoscopic splenectomy is considered to be a suitable alternative therapeutic modality in the treatment of hematologic diseases.

Key words: COMPARATIVE STUDY; LAPAROSCOPY /methods; SPLENECTOMY /adverse effects /methods; POSTOPERATIVE COMPLICATIONS; CHILD.


MACEDO M, MEYER KF, PINHEIRO RP, SILVA AC. Esplenectomia Laparoscópica em Crianças. Rev bras videocir 2004;2(3):114-117.

Recebido em 20/08/2004

                                                              


Aceito em 03/09/2004




A

s técnicas de cirurgia minimamente invasivas vêm sendo utilizadas em escala crescente na última década. Assim sendo, torna-se necessária a comparação de resultados entre as técnicas de cirurgia laparoscópica e de cirurgia aberta. Vários são os relatos de literatura analisando esses procedimentos em pacientes adultos e pediátricos.
   Os benefícios da abordagem laparoscópica incluem menor dor no pós-operatório1,2, menor restrição às atividades físicas1,3,4, menor tempo de hospitalização3,5-7, melhor resultado cosmético8, tempo menor de íleo no pós-operatório9, melhor função pulmonar10 e rápido retorno às atividades normais1,3,4. Os fatores contrários incluem maior dificuldade técnica, tempo cirúrgico prolongado2-5 e maior custo7,11.
   Um dos procedimentos com utilização crescente na faixa etária pediátrica é a esplenectomia laparoscópica. As doenças hematológicas são as maiores indicações de esplenectomias em crianças. Esferocitose, púrpura trombocitopênica idiopática e anemia falciforme com crises de seqüestro esplênico perfazem a maioria dos casos.1,2
   O presente estudo compara nossa experiência inicial com a esplenectomia por via laparoscópica com uma série de esplenectomias pregressas realizadas por via aberta.

MATERIAIS E MÉTODOS

    Foi realizado um estudo retrospectivo, analisando os prontuários de todos os pacientes submetidos a esplenectomia eletiva (31 casos), no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas, no período compreendido entre 1993 a 2003.
   Os 31 pacientes foram distribuídos em dois grupos, a saber: Grupo TA: pacientes submetidos à técnica aberta (19 casos), e Grupo TL: pacientes submetidos à técnica laparoscópica (12 casos).
   A abordagem por via laparoscópica foi introduzida no serviço em 2001 e todos os casos com indicação para esplenectomia, a partir deste ano, foram realizados por esta abordagem. Foram comparados os resultados obtidos com a experiência destes dois grupos.

VARIÁVEIS ANALISADAS

    Foram selecionadas para análise, as seguintes variáveis: idade, sexo, indicação da esplenectomia, técnica cirúrgica utilizada, tempo de hospitalização, tempo cirúrgico e complicações.

ROTINA PRÉ-OPERATÓRIA

    A avaliação pré-operatória dos pacientes com hemoglobinopatias incluiu ultrassonografia para avaliar presença de colelitíase associada, em todos os casos. O achado de colelitíase foi indicação para concomitante colecistectomia. Todos os pacientes receberam vacinação pré-operatória: anti-pneumocócica e Haemophilus influenza. Todos os pacientes receberam antibiotico-profilaxia com cefalosporina de primeira geração na indução anestésica.

TÉCNICA CIRÚRGICA

    Todos os pacientes foram submetidos a procedimento cirúrgico sob anestesia geral, em posição de decúbito dorsal e com coxim colocado sob o hipocôndrio esquerdo. Foram posicionadas sonda vesical de demora e sonda nasogástrica.

   Técnica Aberta (TA)
   Realizada através de incisão subcostal esquerda ou mediana supra-umbilical. Em alguns casos, foi realizada ligadura prévia da artéria esplênica. Com a exposição do hilo esplênico e da grande curvatura gástrica, foram dissecados e ligados os vasos gástricos curtos e os vasos do hilo, realizando a esplenectomia. O abdome foi explorado na busca de baços acessórios. Outros procedimentos intra-abdominais foram então realizados neste grupo.

   Técnica Laparoscópica (TL)
   Consistiu na introdução de um trocarte de 10 mm na cicatriz umbilical, pela técnica aberta, com posterior criação do pneumoperitônio (pressão de 12 mm Hg).
   Foram então introduzidos, sob visão direta, 2 trocartes de 5 mm (um subxifóide e outro na linha axilar anterior esquerda, abaixo da margem costal) e 1 trocarte de 10 mm na linha axilar anterior esquerda no flanco esquerdo. Posteriormente, o paciente era colocado na posição de proclive e decúbito lateral direito.
   Em alguns casos, foi realizada ligadura prévia da artéria esplênica, com dissecção da mesma na retrocavidade dos epíploons, acima do pâncreas com clipe metálico de 5mm. A seguir eram seccionados os ligamentos esplenocólico e esplenorrenal. Exposição dos vasos hilares e vasos gástricos curtos e ligadura seriada com clipes metálicos de 5 mm. Em 1 paciente foi utilizado o bisturi ultrassônico para liberação dos vasos.
   Após revisão da hemostasia, procedeu-se à retirada do baço, através de um saco plástico (coletor para drenagem nasogástrica) introduzido através do trocarte posicionado em flanco esquerdo. O baço é colocado no interior do saco, cujas bordas do saco são exteriorizadas através da incisão (esta ampliada em torno de 3 cm), com posterior fratura do órgão utilizando digitoclasia até que os fragmentos pudessem ser retirados através do orifício. Era novamente realizada inspeção da cavidade para hemostasia e busca de baços acessórios sendo os trocartes removidos sob visão direta, a seguir.

RESULTADOS

   Foram 31 pacientes esplenectomizados (17 do sexo masculino; 14 do sexo feminino), com idade entre 2 a 17 anos (média de 8 anos).
    Indicação - A esplenectomia foi realizada pelas seguintes indicações: esferocitose (11), anemia falciforme com crises de seqüestro esplênico (8), púrpura trombocitopênica idiopática sem resposta ao tratamento clínico (6), beta talassemia (2), abscesso esplênico em paciente com leucemia linfocítica aguda (1), leucemia mielomonocítica pré-transplante de medula óssea (1), linfoma com hiperesplenismo (1), e anemia hemolítica auto-imune (1).
    Técnica Cirúrgica - Em 19 pacientes foi empregada a técnica aberta (TA), sendo a técnica laparoscópica (TL) indicada em 12 pacientes. Colecistectomia associada foi realizada em 2 pacientes submetidos a TA e em 2 pacientes submetidos a TL. Baços acessórios foram identificados e removidos em 8 pacientes submetidos a TA e em 1 paciente submetido a TL. Esplenomegalia esteve presente em 12 pacientes submetidos a TA e em 7 submetidos a TL. Foi necessária a conversão para cirurgia aberta em uma esplenectomia laparoscópica por sangramento intra-operatório.
    Tempo Operatório - O tempo cirúrgico utilizando a via aberta variou de 1 hora e 30 minutos a 5 horas (média de 2 horas e 30 minutos) e a via laparoscópica variou de 2 horas a 4 horas (média de 3 horas e 20 minutos).
    Tempo de Internação - O tempo de internação hospitalar no grupo operado por TA foi, em média, de 4 dias (2 a 15 dias) e naqueles operados por TL variou de 2 a 6 dias (média de 3 dias).
    Complicações e Evolução - Um paciente submetido a TA evoluiu com hematoma importante na loja esplênica, e um paciente submetido a TL evoluiu com epistaxe volumosa, necessitando, em ambos os casos, tempo maior de internação pós-operatória. O sangramento intra-operatório justificou a hemotransfusão (concentrado de hemácias) em 3 pacientes submetidos à cirurgia aberta, e em 1 paciente operado por via laparoscópica. Não ocorreu óbito em nenhum dos grupos. Todos os pacientes continuam em seguimento ambulatorial usando antibiotico-profilaxia com penicilina benzatina ou penicilina oral.
   Os dados comparativos entre esplenectomia aberta e laparoscópica, encontram-se resumidos na Tabela 1.

Tabela 1 - Comparação entre as Técnicas Aberta e Laparoscópica.

VARIÁVEL Aberta Laparoscópica
  (n= 19) (n= 12)
Sexo Masculino 9 (47%) 8 (67%)
         Feminino 10 (53%) 4 (33%)
Doença hematológia:    
   PTI 4 2
   Esferocitose 8 3
   Anemia falciforme 4 4
   Beta talassemia 0 2
   Outras 3 1
Idade (anos) 7,9 (2 a 17) 6,9 (2 a 12)
Baços acessórios 9 (47%) 1 (8%)
Ligadura prévia artéria esplênica 13 (68%) 4 (33%)
Esplenomegalia 12 (63%) 7 (58%)
Necessidade transfusão 3 (16%) 1 (8%)
Colecistectomia concomitante 2 (11%) 2 (17%)
Complicações pós-operatórias 1 hematoma ( 5%) 1 epistaxe (8%)
Conversão para cirurgia aberta - 1 (8%)
Tempo cirúrgico (horas) 2h30 (1h30 a 5h) 3h20 (2h a 4h)
Tempo de internação (dias) 4 (2 a 15) 3 (2 a 6)

DISCUSSÃO

   As técnicas de cirurgia minimamente invasivas estão sendo utilizadas como uma alternativa à cirurgia aberta em crianças e adultos. A esplenectomia se inclui neste grupo e os resultados obtidos parecem justificar o emprego de tal técnica.
   Ficou claro para cirurgiões que realizaram a cirurgia que a curva de aprendizado é importante. A conversão para cirurgia aberta ocorreu uma única vez, durante o segundo procedimento realizado. Essa conversão se deveu à incapacidade de controlar o sangramento, fato que ocorreu em outras situações e que foi resolvido rapidamente. Essa curva de aprendizado também reflete no tempo operatório, maior no início da série.
   Os casos de esplenomegalia maciça apresentaram um maior grau de dificuldade para sua remoção, fato que nos levou em tais casos a realizar a ligadura prévia da artéria esplênica, que acarreta uma diminuição acentuada do tamanho do baço, além de uma maior facilidade de dissecção e clipagem dos vasos.
   Na grande parte das cirurgias laparos-cópicas, exceto em uma, foi utilizado somente bisturi elétrico monopolar e clipes metálicos para ligadura dos vasos.
   Apesar dos resultados hematológicos terem sido bons em nossos casos, um acompanhamento em longo prazo é necessário para determinar se a exploração laparoscópica foi efetiva na detecção dos baços acessórios. A via laparoscópica parece implicar em uma maior dificuldade para localização de baços acessórios, como mostram os nossos dados e estão de acordo com os dados de literatura sugerindo que uma maior atenção deva ser dada a essa etapa da cirurgia13,14.
   Outro fato que julgamos de interesse, consiste na retirada do baço que é realizada facilmente após introdução do mesmo em saco plástico seguido por digitoclasia, restando vários fragmentos que são retirados pelo prolongamento da incisão inicial do trocarte de 10 mm da fossa ilíaca esquerda. O fato de enviar o baço em fragmentos para análise histopatológica não prejudicou a avaliação da mesma por parte do patologista.

CONCLUSÃO

   Este relato, como outros estudos na literatura, mostra que a esplenectomia laparoscópica é uma alternativa segura e eficaz à cirurgia aberta.


Referências Bibliográficas

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

MAURÍCIO MACEDO
Rua Comandante Garcia D`Ávila, 37
Morimbi, São Paulo, SP - Brasil
CEP: 05.654-040
e-mail: mmmacedo@uol.com.br 


 

(1) Supervisor do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas (HEIDV).

(2) Cirurgiã Pediátrica do HEIDV.

(3) Residente do Serviço de Cirurgia Pediátrica do HEIDV.

(4) Estagiário do Serviço de Cirurgia Pediátrica do HEIDV.