Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 1 Vol.1 Nº 3 - Jul/Set 2003<< Arquivo PDF >>
O Etanol 70% na Desinfecção de Óticas na Videolaparoscopia
The Use of Ethanol 70% on the Disinfection of the Laparoscope
Roberto Carlos de Oliveira e Silva1, Lincoln Lopes Ferreira2, Otaviano Augusto de Paula Freitas2, Carlos Romero Franco Almeida Lemos2, Gustavo Marques Braga3, João Batista Rodrigues Júnior4
Hospital SOCOR, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Os autores pretendem apresentar um método simples e seguro, para desinfecção de ótica laparoscópica, que não causa dano ao instrumental. Neste estudo, descrevem o emprego do Etanol a 70%, na desinfecção das óticas de videolaparoscopia, avaliando sua eficácia. MATERIAIS E MÉTODOS: No período de Dezembro de 1999 a Julho de 2003, foram realizadas 211 colecistectomias videolaparoscópicas. Foi empregado para a desinfecção de ótica laparoscópica, nestas cirurgias, o Etanol 70%. Na primeira fase do estudo, o cabeçote da ótica foi infundido em meio de cultura BHI (brain heart infusion). Na segunda fase, após três minutos de limpeza mecânica com Etanol 70%, o cabeçote da ótica foi novamente mergulhado em meio de cultura BHI, onde foi mantido a 37oC por 72 horas. Como fase final de avaliação (terceira fase): realizada avaliação clínica pós-operatória das portas laparoscópicas dos casos operados. RESULTADOS: As amostras obtidas antes da desinfecção revelaram crescimento bacteriano e fúngico. Em contraste com este achado, nenhum crescimento bacteriano ou fúngico foi encontrado nas amostras obtidas após desinfecção com Etanol 70%. Da mesma forma, nenhuma infecção foi observada nos sítios de punção laparoscópica. CONCLUSÕES: Os autores concluem que o Etanol 70% pode ser empregado de forma simples e segura na desinfecção das óticas laparoscópicas.
Palavras-chave: DESINFECTANTES; DESINFECÇÃO/métodos/utilização; LAPAROSCOPIA/instrumentação; CIRURGIA VIDEO-ASSISTIDA.
SILVA RCO, FERREIRA LL, FREITAS OAP, LEMOS CRFA, BRAGA GM, RODRIGUES Jr JB. O Ethanol 70% na Desinfecção de Óticas na Videolaparoscopia. Rev bras videocir 2003;1(3):92-95.
om a aceitação da videolaparoscopia como via de acesso de escolha para inúmeros procedimentos cirúrgicos, estimulou-se o estudo de mecanismos que possibilitem a redução do desgaste do equipamento, visando também reduzir a morosidade no preparo do mesmo. Embora a utilização de dispositivos recicláveis convencionais seja bem aceita, isto ainda representa um alto custo para o paciente e a instituição.
A literatura é extensa em relação aos processos de descontaminação do material laparoscópico. Existe polêmica, principalmente, quanto ao uso de desinfetantes químicos e líquidos, em substituição à esterilização de instrumentos termo-sensíveis. São características de um desinfectante ideal:
. amplo espectro
. ação rápida
. não ser afetado por fatores ambientais (ex: luz)
. deve ser ativo na presença de matéria orgânica
. ser compatível com sabões, detergentes e outros produtos químicos
. atóxico (não deve ser irritante para o usuário)
. compatível com diversos tipos de materiais (não corrosivo em superfícies metálicas e não deve causar deterioração de borrachas, plásticos e outros materiais)
. efeito residual na superfície
. fácil manuseio
. inodoro ou de odor agradável
. econômico
. solúvel em água
. estável em concentração original ou diluído;
. não poluente
Na desinfecção do instrumental de videolaparoscopia, entre cirurgias consecutivas, utilizam-se métodos capazes de resultar em uma desinfecção de alto nível. Este processo é eficaz quando da limpeza do material, adequação do tempo de exposição e ausência de infecção quando da utilização anterior do aparelho. O Gluteraldeído a 2% é hoje o agente mais usado para este fim.OBJETIVOS
É nosso objetivo demonstrar a segurança na utilização do etanol a 70% para desinfecção da ótica utilizada na videolaparoscopia. Trata-se de procedimento rápido, seguro e com menor exposição do instrumental ao desinfectante químico, resultando em maior longevidade do material.
MATERIAL E MÉTODOS
A desinfecção de todo equipamento de videolaparoscopia, exceto a ótica, foi realizada, como de rotina, utilizando-se o Gluteraldeído a 2%.
Inicialmente, a ótica foi infundida no meio de cultura BHI (Brain Heart Infusion com concentração de 7,4%) o qual foi encaminhado para o laboratório de bacteriologia. Seguiu-se com a desinfecção da ótica utilizando-se o etanol a 70%, com auxílio de uma compressa embebida nesse desinfetante químico. O processo consistia em uma limpeza mecânica por fricção com três minutos de duração, seguida de enxágüe com água destilada estéril, visando a retirada de todo o desinfetante. A ótica foi, então, novamente infundida em meio de cultura com o material sendo encaminhado ao laboratório de bacteriologia. Procedeu-se com o enxágüe da ótica para remoção do meio de cultura.
Foram excluídos do trabalho os pacientes portadores de colecistite aguda, diagnosticada pela história clínica e laboratorial, ou pelo exame histopatológico.
O procedimento operatório seguiu-se conforme rotina do serviço, fazendo-se uso de Cefalotina (2 gr) profilaticamente.
Os meios de cultura enviados para o laboratório de bacteriologia forma incubados a uma temperatura de 36 OC (trinta e seis graus Celsius) durante 72 (setenta e duas) horas, na estufa de cultura Modelo 002 CB®, fabricada pela Fanem Ltda.
No pós-operatório, foram monitoradas: curva térmica, leucometria e alterações clínicas que pudessem indicar a presença de quadro infeccioso localizado ou sistêmico.RESULTADOS
As culturas realizadas antes das desinfecções das óticas apresentaram crescimento intenso, incluindo-se fungos. Nas culturas realizadas após a desinfecção das óticas não houve crescimento bacteriano ou fúngico em nenhuma das amostras colhidas.
Todos os pacientes evoluíram no pós-operatório sem quadro clínico de infecção nos sítios de punção ou em cavidade abdominal. A avaliação da curva térmica e a propedêutica bioquímica confirmaram a evolução benigna dos pacientes.DISCUSSÃO
A vídeo-cirurgia é hoje uma via de acesso consagrada e utilizada em todos os recantos do mundo. Representa a via de acesso de eleição para colecistectomia e correção cirúrgica da hérnia hiatal.
A habilitação de cirurgiões, enfatizando o domínio no manuseio do instrumental laparoscópico associado ao conhecimento da técnica operatória, tem sido destacada em todas as escolas formadoras de cirurgia geral.
A pesquisa em recursos tecnológicos avançados, com intuito de proporcionar maior conforto e segurança para o médico e paciente, tem sido preocupação de instituições que respondem pelo suporte técnico ao médico. Sabidamente, um dos fatores responsáveis pela menor sobrevida da ótica utilizada em videolaparoscopia é a infusão prolongada em material para desinfecção.
Como a ótica caracteriza-se por apresentar superfície lisa sem ranhuras ou superfície irregular que acumule ou dificulte a ação do desinfetante, a fricção com álcool 70% representa método passível de realização.
São características do álcool como um desinfectante de alto grau:
. Ação - ruptura da membrana celular e rápida desnaturação das proteínas com subseqüente interferência no metabolismo e divisão celular.
. Espectro de ação - rápido e amplo espectro de ação contra bactérias vegetativas, vírus e fungos, mas não é esporicida.
. Apresentação mais freqüente - álcool etílico e álcool isopropílico.
. Concentração - entre 60 e 90%, sendo que abaixo de 50% sua atividade diminui bastante.
. Compatibilidade com materiais - mais indicado para superfícies externas dos materiais e superfícies de vidro. Embora utilizado como secante em instrumentos óticos, pode danificar o cimento das lentes. Resseca plásticos e borrachas quando utilizado repetidas vezes ao longo do tempo.
. Características da ação - como evapora rapidamente sua ação é limitada, havendo necessidade de submersão de objetos para uma ação mais ampla.
Com a utilização do álcool como desinfectante, consegue-se o objetivo com exposição mínima ao material de desinfecção, determinando maior sobrevida do material.
Em nosso serviço de cirurgia possuímos duas caixas de pinças laparoscópicas que nos permitem efetuar operações em seqüência utilizando-se apenas uma ótica. Enquanto realizamos um procedimento operatório a segunda caixa de pinças é submetida à desinfecção (gluteraldeído 2%) sendo utilizada imediatamente após o procedimento operatório com a mesma ótica empregada previamente, porem desinfectada com álcool 70%.CONCLUSÃO
O estudo demonstrou tratar-se de procedimento fácil, rápido e eficaz na desinfecção de alto grau da ótica utilizada na laparoscopia. Representa procedimento seguro capaz de proporcionar conforto à equipe cirúrgica e, teoricamente, sobrevida da ótica.
ABSTRACT
OBJECTIVE: The authors intend to present a simple, safe and instrument-protecting method of disinfection. In this paper they describe the use of 70% ethanol on the disinfection of the laparoscope (telescope) by using Ethanol 70%. MATERIALS AND METHODS: The authors performed, between December of 1999 and July 0f 2003, 211 videolaparoscopic cholecistectomies. As a first step, the optic device top was plunged on a BHI culture media. After 3 minutes of mechanical cleaning with 70% ethanol, the laparoscope top was plunged again on a BHI (brain heart infusion) stein, witch was keep at 37 C for 72 hours. Clinical evaluation of port sites where performed in all 211 cases. RESULTS: The samples obtained before the disinfection showed bacterial an even fungal growing. In contrast, no bacterial or fungal growing was found on the samples obtained after the 70% ethanol disinfection. Also, no infection was observed on the punctures sites. CONCLUSION: The authors conclude that Ethanol 70% is a simple, safe and instrument- protecting method, on the laparoscope disinfection.
Keywords: DISINFECTANTS; DISINFECTION/methods/utilization; LAPAROSCOPY/instrumentation; ViDEO-ASSISTED SURGERY.
Referências Bibliográficas
1. Rutala WA. APIC Guideline for selection and use of disinfectants. AJIC Am J Infect Control 1995;23(30):35A- 65A.
2. Coates D & Hutchinson DN. How to produce a hospital disinfection's policy. J Hosp Infec 1994;26:57-68.
3. Favero M. Chemical disinfections of medical and surgical materials. In: BLOCK ss. Disinfection, sterilization and preservation. 4 ed. Lea & Febiger. Philadelphia. 1991:621.
4. Daschner F. The hospital and pollution role of the hospital epidemiologist in protecting the environment. In: Wenzel R. Prevention and control of nosocomial infections. 3 ed. Williams and Wilkins. 1997;28.
5. Tablan O. Guideline for Prevention of Nosocomial Pneumonia. Infect Control Hosp Epidemiol 1994;15(9):588-627.
6. Konkwicz LR & Hoffel HHK. Recomendações para a prevenção de infecções respiratórias hospitalares no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Rev HCPA 1997;16(3):295-303.
7. Brasil. Processamento de artigos e superfícies em estabelecimentos de saúde. Ministério da Saúde. Brasília. 1994. 39p.
8. Ayliffe GAJ, Bab JR, Bradley CR. Sterilization of arthroscopes and laparoscopes. J Hosp Infect 1992;22:265-169.
9. Martin MA; Reinchelderfer M. APIC Guidelines for infection control practice: APIC guideline for infection prevention and control in flexible endoscopy. Am J Infect Control 1994; 22(1): 19-38.
10. Rutala WA. APIC guidelines for infection control practice: APIC guideline for selection and use of disinfectants. AJIC Am J Infect Control 1990;18:99-117.
11. Rutala WA. Disinfection and sterilization of patient-care items. Infect Control Hosp Epidemiol 1996;17:377-384.
12. Russel L. Glutaraldehyde: current status and uses. Inf Control Hosp Epidemiol 1994;15:724-23.
13. Hanson PJV, Chadwick MV, Gaya H, Collins JV. A study of glutaraldehyde disinfection of fiberoptic bronchoscopes experimentally contaminated with Mycobacterium tuberculosis. J Hosp Infect 1992;22:137-42.
14. Urayama S, Kpzarek R Sumida S, Raltz S, Merriam L, Pethigal P. Mycobacteria and glutaraldehyde: is high- level disinfection of endoscopes possible. Gastrointest Endosc 1996;43:451-6.
15. Rutala WA, Weber DJ. FDA labeling requirements for disinfection endoscopes: a counterpoint. Gastrointest Endoscopy 1995;16:231-235.
16. Dormont D. How to limit the spread of Creutzfeldt-Jacob Disease. Infect Control Hosp Epidemiol 1996;17:521-28.
17. Malmos H. Enzymes for detergents. Chemistry & Industry 1990;183-86.
18. Aalyng D, Gormsen E, Malmos H. Mechanistic studies of proteases and lipases for the detergent industry. J Chem Tech Biotecnol. 1990;321-330.
19. Kneedler JA; Darling MH. Using an enzymatic detergent to prerinse instruments. AORN J. 1990;51(5):1326-1332.
20. Smulders E, Krings P. Detergents for the 1990s. Chemistry & Industry. 1990;160- 163.
21. Holton J, Shetty N, McDonald V. Efficacy of Nu Cidex (0,35%) peracetic acid) against mycobacteria and cryptosporidia. J Hosp Infect; 1995;31:235-244.
22. Middleton AM, Chadwick MV , Gaya H. Disinfection of bronchoscopes, contaminated in vitro with Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium avium intracellulare and Mycobacterium chelonae in sputum, using stabilized, buffered per acetic acid solution ("Nu Cidex"). J Hosp Infect. 1997;37:137-43.
23. Rutala W. Disinfection, sterilization and waste disposal. In: WENZEL R. Prevention and control of nosocomial infections. 3 ed. Williams and Wilkins. 1997. p.27.
24. Bradley CR, Babb JR, Ayliffe AJ. Evaluation of the Steris System 1 Peracetic Acid Endoscope Processor. J Hosp Infect. 1995;29:143-151.
25. Rutala WA, Gergen MF, Weber DJ. Comparative evaluation of the sporicidal activity of new low-temperature sterilization technologies: Ethylene oxide, 2 plasma sterilization systems and liquid peracetic. AJIC Am J Infect Control. 1998;26:393-8.
26. Mc Donnell G & Russell AD. Antiseptics and disinfectants: activity, action and resistance. Clin Microbiol Rv. 1999;12:147-179.
27. Gregori RW, Schaalje GB, Smart JD, Robinson RA. The mycobactericidal efficacy of orthophtaladehyde and the comparative resistances of Mycobacterium bovis, Mycobacterium terrae and Mycobacterium chelonae. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20:324-330.
28. Alfa MJ & Sitter DL. In- hospital evaluation of orthophtaladehyde as a high level disinfectant for flexible endoscopes. J Hosp Infect. 1994;26:15-26.
29. Shetty N, Srinivasan S, Holton J, Ridgway GL. Evaluation of microbicidal activity of a new disinfectant: Sterilox® 2500 against Clostridium difficile spores, Helicobacter pylori, vancomycin resistant Enterococcus species, Candida albicans and several Mycobacterium species. J Hosp Infect. 1999;41:101-105.
30. Selkon JB, Babb JR, Morris R. Evaluation of the antimicrobial activity of a new super- oxidized water, Sterilox®, for the disinfection of endoscopes. J Hosp Infect. 1999;41:59-70.
31. Rutala W, Weber D. Disinfection of endoscopes: review of new chemical sterilants used for high-level disinfection. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999; 20.ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA E SILVA
Rua Juiz de Fora , 284/1106
Barro Preto - Belo Horizonte
Minas Gerais - Brasil
e-mail robertocarlos@salutar.com.br
(1) Serviço de Cir. Geral H. SOCOR - Mestre e Doutor
(2) Serv. Cir. Geral H. SOCOR - Titular da SOBRACIL - TCBC.
(3) Serv. Cir. Geral H. SOCOR - Titular da SOBRACIL - ACBC.
(4) Serv. Cir. Geral H. SOCOR - ACBC.
Recebido em 05/09/2003
Aceito para publicação em 15/09/2003